Manuel Francisco Eleutério Barão

Nome do Pai: 
Foto do Pai: 
Nome da Mãe: 

Augusta Eleutério Barão

Data de Nascimento: 
1940-06-26
Distrito / Pais (se for estrangeiro): 
Beja
Concelho: 
Mértola
Freguesia: 
Corte do Pinto
Estado Civil: 
Casado
Nome do Cônjuge: 

Maria José Marques Rita Barão (N.1940-02-28 Corte do Pinto / F. 26.11.2021)

Data de Falecimento: 
2013-12-21
Local da Sepultura: 
Cemitério da Mina S.Domingos
Informação Pessoal: 

Biografia

Observações: 
Morava na Rua 25 de Abril
Empresa: 
Mason and Barry, Ltd.
Data do Registo: 
1956-01-23
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Nº da Caixa de Previdência: 
2282
Profissão / Categoria: 
Oficial Electricista de Baixa Tensão
Local de Trabalho: 
Mina S.Domingos
Notas adicionais: 

Entrevista para a dissertação sobre a Mina de São Domingos – Cultura e Património
Transcrição da entrevista oral para escrita (10.12.11)
- Entrevista ao Mineiro –
1 Dezembro 2011
Identificação do meu entrevistado:
- O meu entrevistado foi o Sr. Manuel Francisco Barão, ex-trabalhador na Mina de São Domingos. Tem 72 anos, é natural da freguesia de Corte Pinto, concelho de Mértola, e concluiu a escola básica.
Enquanto eu me preparava para a entrevista, o meu entrevistado começou a falar e disse algumas coisas que gostaria que ficassem transcritas: - Lembro-me como se fosse hoje, 8 escudos e 70 centavos, foi o meu ordenado na altura, no dia 23 de Janeiro de 1956, comecei a trabalhar aqui nesta empresa, com 15 anos e meio, como disse. Depois trabalhei aqui treze anos até que a Mason & Barry Limitada abriu falência. Eu estive mesmo aqui até ao fim. Na altura, quando a empresa abriu falência éramos 160 operários ainda, e foi uma falência feita ali em cima do joelho porque…o feriado camarário aqui do concelho de Mértola era no dia 24 de Junho, ou seja, o dia de São João, nós ainda trabalhámos no dia 23, dia 24 foi o feriado camarário…não trabalhamos evidentemente como era feriado, depois, no dia 25…Eu nasci ali naquela porta que está além mesmo, naquela porta nasci eu...nasci eu…no dia 25 de Junho, pegávamos ao trabalho às 8 horas da manhã, íamos para pegar ao trabalho, às oficinas, estava lá um papel, «a Mason & Barry Limitada abriu falência».
Cada um arrancou com a saca às costas, para casa, sem um tostão, sem nada. Nesse período, antes da mina abrir falência, nós andámos aí a trabalhar, isto foi tudo cortado a maçarico, locomotivas, tornos, eram 44 tornos que estavam a funcionar, tornos mecânicos, havia locomotivas, locomotivas de vários transportes, grandes, pequenas, de todo o tamanho…e então, isto foi tudo cortado a maçarico, e foi tudo vendido como sucata, e nós andávamos aí a trabalhar ainda…na oficina de electricistas éramos 23, 23 electricistas, só fiquei eu e o encarregado. O encarregado adoeceu, fiquei eu, sozinho, a tomar conta da oficina de electricistas, tinha 2 ajudantes, 2 rapazes, de outras profissões, que iam lá ajudar a destruir, ou seja, a partir os motores que lá havia, para ser tudo vendido como sucata, e o que é que acontecia?!
Às 8 horas da manhã nós deslocávamo-nos à oficina de electricista, eu tinha a chave da oficina, que na altura, os indivíduos que estavam ainda aqui a administrar isto e a vender sucata disseram-me logo assim: «ó Barão, tu agora…o teu superior, o teu encarregado está, está doente, e tua agora levas a chave para a tua casa, não deixes a chave aqui no chaveiro». Havia um chaveiro na oficina, onde nós colocávamos as chaves de todas as oficinas: a oficina de caldeireiros, a oficina de ferreiros…ah..de
serralheiros, de fundição, tudo isso, e nessa altura eles disseram-me: «Tu agora levas a chave para a tua casa, não deixes aqui a chave». Outro dia de manhã, lá estava, na oficina, às 8 horas da manhã, vinham aqueles dois indivíduos…
A oficina de electricistas estava recheada de cobre e ferro e bronze, tudo o que lá havia era bom, telefones…tudo, este motor…: «ó Barão, este motor era de onde?» “-Olhe, este motor que está aqui, um exemplo, era da contra mina, do piso 240”. «Este vai para o lado». «Este motor era de onde?» “- Este motor era da fábrica de enxofre”. «Este motor era de onde?» “- Este motor era da corda sem fim”. «Então vocês hoje colocam estes todos aqui à parte, e partem estes motores». E como é que eram partidos? Cada
carcaça… motores enormes, motores aí de 70 e 80 cavalos, e de 160 cavalos, partimos lá um com 160 cavalos…e da corda sem fim, uma bizarma e a carcaça dos motores, era tudo em ferro fundido e o interior, o interior era em cobre..
O que é que nós fazíamos com os malhos, ou seja, umas bacetas, grandes, pesadas, partia-se a carcaça com o ferro fundido, separava-se o ferro fundido do cobre, o cobre depois fazíamos uma lareira, uma lareira com “gasoil”, e separava-se o ferro do cobre, um monte de cobre aqui, um monte de ferro ali. À tarde, vinham os sucateiros e carregavam o cobre para um outro e o ferro no outro; no outro dia, a mesma coisa, atéque foi tudo ao fim, porque isto ainda trabalhou 150 anos, sempre a debitar para os
ingleses, ingleses que era…a firma era a Mason & Barry Limitada, e um dos superiores, um dos administradores que vinham cá constantemente, hoje onde está além, está além identificado a estalagem, era a residência oficial dos ingleses e empregados, empregados superiores que vinham para cá, vinham da Inglaterra, vinham de Lisboa, vinham daqui…; eles tinham o escritório em Lisboa, na Rua do Salitre, estava lá um escritório da Mason &Barry Limitada, e havia outros, Inglaterra principalmente;
vinham administradores de Inglaterra, vinham para aqui assistir a contas, engenheiros e tudo e onde eram alojados era naquele palácio. Chamava-se o palácio. O palácio tinha além empregados, tinha senhoras já com uma certa experiência, tinham também um cozinheiro privado, e tinham um indivíduo, um indivíduo que era um mordomo, esse mordomo era o meu avô. O meu avô foi além para o palácio a fazer as compras tinha 8 anos. Na altura tinha 8 anos, com um cestinho no braço a fazer as compras, e saiu “dalém” com 72 anos…os administradores, o Cross Brown, tinha uma certa consideração por ele, porque na altura…quando eu comecei aqui a trabalhar era difícil, era difícil nós conseguirmos entrar para a empresa aqui. Só através de pedido, então o meu avô, que tinha uma grande consideração, o Cross Brown que tinha uma grande consideração por ele disse: “Ei…”, chamava-se Francisco Barão Lourenço, o meu avô. “ Chico, Chico, o teu neto vem para cá trabalhar? Onde quer o teu neto trabalhar? Escritório? Oficina? Onde quer, onde quer? O Chico diz, o teu neto, onde quiseres.”. E pronto, depois o meu avô disse ao meu pai: “Olha João…”, o meu pai era João, o meu
pai trabalhou aqui cinquenta e tal anos quase sessenta anos, e então disse ao meu pai: “João, olha, o Cross Brown diz que se o Manel quiser vir, se quer ir para o escritório,
se quer ir para as oficinas…. O meu pai: “Então olhe, quer ir para as oficinas”. Mas eu, a minha criação, a minha criação era para torneiro, serralheiro mas não, na altura depois era…havia falta de mais electricistas e fomos então 4 rapazes para a oficina de electricistas e ali trabalhei, trabalhei ali treze anos, na oficina de electricistas, até que fui despedido. “Tive” até ao fim da mina…nós…esqueceu-me há bocado de lhe dar essa referência, nós estávamos a trabalhar, a partir os motores, a partir tudo, a arranjar sucata, e esta semana davam 100 escudos, daqui a 3 semanas davam outros
100 escudos, então foi-se acumulando, acumulando, acumulando, ficaram lá, quando fui despedido, a dívida da empresa “p’ra” comigo eram 27 contos e 500, ou seja, 27 mil e 500 escudos, que era dinheiro. Ah, não recebi nada, não me deram nada, o subsídio de férias, indemnização e…salários que ficaram em atraso. Foi-se ao tribunal de falências, o tribunal de falências…como o dinheiro não chegava para pagar a todos os credores…ainda me deram 3 contos e 500 ao fim de 7 ou 8 anos, deram-me 3 contos e 500, e ficaram lá 24 contos. Mas isto é uma grande história, que é uma história muito
grande aqui, isto passou por aqui, passou por aqui muita gente, aqui havia muita fome, muita miséria. Os mineiros…nós trabalhávamos ali, eu não como mineiro, não ia lá arrancar as pirites mas ia dar assistência aos mineiros: montagem de bombas, a parte eléctrica, porque isto, ao fim e ao cabo, estava tudo muito bem estruturado, havia uma estrutura aqui muito bem feita: central privativa da empresa, como eu disse há bocado, havia 44 tornos ou 45 tornos, uma fundição, serralheiros, caldeireiros, uma central privativa, havia uma banda privativa da empresa, uma equipa de futebol que ainda
jogou na II divisão.
Tudo isso, aqui não faltava nada, havia festas…principalmente pelo São João, havia festas, os ingleses é que ponham tudo, o que é que havia salários de miséria, salários de miséria que, e ainda me recorda perfeitamente como se fosse hoje, por exemplo, um operário não-diferenciado, eles chamavam aqui um operário não-diferenciado, era um operário que não tinha profissão, esse operário ganhava 27 escudos e 500, e 50 centavos, na altura era escudos, mas agora meteram aí os “eurus”. Entrei a ganhar 8.700 e fui subindo, subindo, subindo, quando a mina fechou já ganhava
34.600...36.800, era o meu ordenado, na altura. Era já electricista, credenciado, já tinha a carteira profissional…mas havia aqui artistas que saíram daqui, em todas as profissões que brilharam, brilharam no país e até no estrangeiro, operários credenciados, operários com muita experiência. Aqui era o seguinte: isto começava-se a trabalhar de pequenino, trabalhando de pequenino ia-se adquirindo uma certa experiência, e essa experiência ia-se acumulando ao longo dos anos, e aos anos faziamse bons profissionais, bons profissionais que não tinham medo de trabalhar em lado nenhum, em todo o lado…ia trabalhar pessoal que saia daqui, ia trabalhar para todo o lado…Aveiro, Lisboa, a CUF, foram muitos para a CUF, e por aí em diante. Eu não sei se quer mais alguma…diga, diga…
Chegou uma altura que tive que interrompeu o discurso do meu entrevistado pois estávamos a fugir ao que eu tinha planeado. Mesmo nas perguntas directas, o Sr. Barão fazia questão não só de responder como explicar e desenvolver a sua história, o que tornou a entrevista ainda mais rica ao nível da informação.
As minhas habilitações era a 4ª classe porque aqui, aqui era o seguinte: aqui ninguém tinha possibilidades de passar da 4ª classe. (Porque se começava a trabalhar logo “desde pequenino”) e não só…estudar para a onde?! Aqui não havia, não havia uma escola secundária, não havia nada disso, aqui era só escola primária, da 1ª à 4ª classe.
Então, era o hábito aqui, o aluno entrava com a professora da 1ª classe, ia sempre passando os anos até à 4ª classe. À 4ª classe fazia exame, que tinha que ir a Mértola fazer exame. Aqui faziam o da 3ª classe mas a 4ª classe tinha que ir a Mértola. Depois a partir daí parou, porque a gente tinha que ir estudar para Beja, e os pais não tinham possibilidades, que ficámos por aqui, muitas inteligências se perderam, eu tive pena, podia, tinha vontade na altura, que eu fiz o exame da 4ª classe com 10 anos…humm, fui para a escola com 6, não perdi ano nenhum, feitos aí com 10, eu gostava de ter, ter
seguido mas não havia possibilidade e ir para Beja, pagar alojamento, pagar tudo…o meu pai ganhava também 34 escudos, éramos dois filhos…
1. Durante quantos anos trabalhou na Mina de São Domingos? Treze anos
2. Qual era a sua função?
Era electricista.
3. Quantas pessoas da sua família trabalharam nas Minas de São Domingos? Uuuuu…ui, avôs e bisavôs, aqui é o seguinte: é que aqui na nossa zona, não havia mais nada, a única indústria que existia era a mina. Os meus bisavôs trabalharam aqui, os meus avós trabalharam aqui, o meu pai trabalhou e eu trabalhei, fui o último porque a mina abriu falência. O meu irmão não chegou a trabalhar aqui. Eu tenho um irmão só…e o meu irmão não chegou a trabalhar porque o meu irmão foi voluntário, era músico aqui na banda, e foi voluntário para a tropa para as bandas do exército. Teve na Infantaria 16 em Évora, teve na Infantaria 1 na Amadora, teve na Infantaria 15 em Tomar.
4. Todos os homens que aqui viviam eram trabalhadores na Mina de São Domingos?
99,9%...o resto, o resto havia campo, havia campo mas era pouco. A maior percentagem era tudo pessoas que residiam aqui, era tudo trabalhadores da mina.
Tudo trabalhou aqui na mina porque isto era assim: era uma empresa, uma empresa inglesa que ao fim e ao cabo dava trabalho a toda a gente. Havia um inválido, um inválido, um indivíduo que era coxo, que tinha outro problema qualquer de mobilidade, eles arranjavam um emprego para ele, ou para guarda, ou para guarda de uma bomba, ou para subir uma bandeira quando passava o caminho-de-ferro, fosse o que fosse, arranjavam emprego para ele, para esses inválidos. Pagaram mal, pagavam sempre mal, pagaram mal mas olhe, ia-se vivendo, de mal a menos ia-se vivendo.
5. Como eram as relações sociais na aldeia?
. Respondido na última questão!!!
6. Qual é a sua melhor lembrança a nível dos costumes da aldeia de São Domingos?
Olhe, nós tínhamos aqui 3 colectividades, aqui na rua, onde está o “Estrela”, o café “Estrela”, estava uma. Lá em cima, nas traseiras da igreja, é o “Musical”, estava outra. Lá à frente, é o Centro Republicano, era outra. Três, só 3 colectividades. Depois havia uma colectividade que era da empresa, os operários mineiros, além onde hoje está aquele armazém grande, que está ali uma oficina de montagem de estruturas metálicas, aí era um clube também, chamava-se “O Clube Operário”, que era o clube da empresa. Então aqui realizaram-se muitos bailes, muitos bailes, na altura era baile.
Eu ainda fiz parte, fiz parte de muitas direcções principalmente aqui do clube, aqui do “Clube Recreativo” que era aqui onde está o “Estrela”, o “Musical”, também fiz parte da direcção, o centro também, fui o último, e então, principalmente por São João, isto
era uma coisa nunca vista no concelho. No concelho de Mértola, temos o distrito, não se faziam as festas que se faziam aqui. Também, a empresa ajudava muito. Colocavamse uns mastros no meio da rua, tudo florido, e a empresa ajudava, a empresa é que mandava os electricistas, a empresa é que, é que oferecia o transporte de verduras e muita coisa, electricidade, oferecia-se tudo. E então, durante o ano, havia depois bailes pela Páscoa, havia bailes pelo Natal…havia, constantemente havia bailes, quase todos os meses havia bailes, como lhe disse, fiz parte da direcção; fazíamos até chás
dançantes. Sabe o que é um chá dançante?! Nós, porque…os sócios eram informados através de um convite, mandava-se um convite para a casa do sócio, em tal dia, às tantas horas há um baile, abrilhantado por conjuntos, tudo conjuntos que vinham aqui: algarvios…por aí em diante. E havia muitas raparigas que depois que os pais não eram sócios mas nós…elas vinham-nos pedir: “Manel, arranja-me lá um convite, arranja-me lá um convite, o meu pai não pode ser sócio!” “Teu nome? fica descansada que vai um convite”, e essa rapariga lá estava no baile. E então, quando havia chás dançantes, o
que é que a gente fazia? Informávamos logo as raparigas: “Olha, agora no próximo baile, vai haver um chá dançante. Por conseguinte, se conseguisse fazer um bolinho, faz um bolinho, leva um bolinho que é para a gente partir e oferecer depois um chá, o chá é por conta da colectividade, nós não temos possibilidades para fazer bolos. A gente faz o chá, a gente faz o chá, e então, traz um bolinho, traz um bolinho, e a gente parte o bolinho” e então, era assim. Nos intervalos, nos intervalos ia sempre um director com uma rapariga, com uma bandeja, uma bandeja com os bolos, outra bandeja com as
chávenas de chá, dar a volta à sala toda, “Tome, tome, tome”…acabava-se aquela e iase buscar outra. São coisas que não esquecem na vida, são coisas que não esquecem.
7. Ainda vive na Aldeia de São Domingos? Se não, há quantos anos deixou a aldeia?
(Não, o nosso entrevistado vive em Sacavém mas passa grande parte do seu tempo no local de São Domingos). O último dia que trabalhei aqui foi no dia 23 de Junho de 1968. Há 42, 43 anos…e a mina fechou, a mina abriu falência no dia 25 de Junho de 1968, foi quando a mina abriu falência.
8. Acha que a Mina de São Domingos tem potencial turístico? Porquê?
Olhe, o pior, o pior que fizeram aqui foi retirar o caminho-de-ferro da Mina ao Pomarão, isso é que foi, o maior erro, o maior erro, foi tirarem o caminho-de-ferro da Mina ao Pomarão. Se tivessem deixado uma locomotiva, aquelas locomotivas assim mais pequeninas, com 3 ou 4 carruagens, fazer o transporte da Mina para o Pomarão, era uma coisa fantástica. Então acha que tem potencial turístico? Tem sim senhora, tem e bastante, e temos aí o lago, temos aqui este lago, este lago grande…isto, é pena não ter vindo aqui numa altura de verão para ver o movimento que aquilo tinha, não se cabe ali, naquela praia fluvial, não se cabe, aquilo é: de meio metro a meio metro está uma pessoa ali deitada, não se consegue, principalmente pelos espanhóis.
9. Acha que a actividade turística ajudaria a recuperar e manter a cultura e o património mineiro ainda existente? Em que medida?
Há. Eu digo-lhe uma coisa, digo-lhe uma coisa: por experiência própria esta mina nunca mais vai trabalhar. E eu posso explicar porquê. Esta mina nunca mais vai trabalhar porque isto é o seguinte: Isto…nós estávamos a trabalhar já a 405m de profundidade, havia bombas a retirar, a retirar a água da mina para a rua. Quando a mina fechou, a mina fechou (conversa com terceiros)…Isso não, ninguém pense, que esta mina nunca mais há-de trabalhar na vida. Ah, para turismo dava, dava. E abrir uma galeria? Não, e eu explico-lhe porquê. Porque é que esta mina não tem condições para turismo, para abrir uma galeria, para visitar a mina? Porque é o seguinte, a mina está cheia de água, a mina começou a encher do 405m para cima, e deve estar aí numa média aí de 30/40m já do nível da rua. Toda essa água, essa água está a fazer pressão e está a segurar a estrutura da mina. Se um dia for tirada essa água toda, o que é que vai acontecer?! Aquilo é uma derrocada enorme, aquilo parte-se tudo, cai tudo. Porque a água é que está a fazer pressão nas galerias, é que está a segurar o terreno. Porque havia umas estruturas em madeira, umas estruturas em madeira que seguravam o
terreno para o terreno não cair. Com a continuação dos anos, há 40 e tal anos que está nessas condições, aquilo está tudo podre, está tudo diluído, está tudo… e a própria água é que está a segurar, está a segurar o terreno, se um dia retirarem essa água, não têm…não tem, a mina para turismo não tem condições. Descer aqui, o que é que viam? 30 ou 40m, não viam nada, viam um túnel só, chegavam ao fim, encontravam a água e não viam mais nada. Pois…agora, onde as máquinas trabalhavam, e mesmo as próprias máquinas hoje, as próprias máquinas hoje já não existem, já não existem
porque, porque isto é uma água sulfúrica, esta água está com ferro, esta água derrete o ferro, e transforma o ferro em pó, por conseguinte, todas aquelas máquinas que ficaram no fundo da mina, já não existem. Está tudo desfeito, está tudo…o poço onde
trabalhava o elevador, isso desapareceu tudo, cabos de aço, isso já não existe nada, nada, nada ali…
10. A seu ver, se fosse possível recuperar um espaço/lugar da Mina de São
Domingos, qual escolheria? Porquê?
Olhe, para mim, para mim, o lugar que eu gostava de ver…que voltasse a novo, era a estrutura, uma estrutura metálica que ali estava que chamava-se o “cais”, “cais”, o
“cais”. Era o “cais” que recebia, recebia as vagonetas que vinham do fundo da mina,
aquilo era uma obra-prima, era uma coisa digna de se ver…isso, aquelas toldas, tudo
isso, isso é que era…e mais à frente a máquina e o motor que era a corda sem fim, o
motor e a máquina da corda sem fim isso era, era uma coisa que…estava cá na rua,
estava colocada cá na rua, e um cabo até 150m, chamava-lhe a gente a “corda sem
fim”, e o que era a “corda sem fim”? Qualquer cabo tem duas pontas, as duas pontas
eram ligadas uma na outra, e então, esse cabo de aço era um cabo com um diâmetro aí
de..aí uns 30mm mais ou menos, ou mais de 30mm, esse cabo tinha uma ponta ligada
na outra, ia até 150m onde estava…à entrada para o elevador…então ia buscar as
vagonetas que saiam do elevador, iam ligadas a esse cabo, e esta máquina que estava
aqui na rua, trazia-os para a rua, passavam pelo cais e depois além no cais depois é
que eram despejadas e saíam naquelas toldas que estão cá em baixo, aqueles buracos,
estavam as locomotivas depois, com 4.000 quilos, ali é que recebiam os pirites que
vinham do fundo da minha em vagonetas de uma tonelada. Isso é que era um trabalho,
esta “corda sem fim” foi feita por engenheiros ingleses, engenheiros com uma certa
experiência, engenheiros altamente qualificados…montaram eles. E depois havia
aquele poço, aquele poço que se vê ainda além, aquelas roldanas ali para baixo, aquele
poço que se vê ainda além que ia até 122m buscar a água; porque as bombas puxavam
do fundo da mina para um lago que estava que estava a 122m do nível…eu quando falo
de 122m conto sempre a estrutura, o nível do terreno aqui na rua, a partir daí a direito,
conta as medidas que a gente empregava, então, aquela estrutura que está além, que
era o poço número 6, e é, é denominado o poço número 6, ia até 122m buscar a água
que as bombas estavam a retirar do fundo da mina para aquele lago onde…onde o
poço…tinha baldes; cada balde levava 1 tonelada, ia uma para baixo, vazia, e a outra
cheia e automaticamente ela chegava lá ao lago, a 122m, enchia sozinha, tinha um
dispositivo na parte de baixo, um género de uma válvula, batia lá numa plataforma, a
plataforma abria a válvula e enchia o balde; o balde vinha cheio e depois com o peso
da água fechava a válvula; chegava aqui fora, havia uma estrutura em meia-lua,
entrava ali o balde, sozinho, despejava e ia um para baixo e outra para cima, a
contrabalanço, 24 horas. Isso é que era uma coisa digna de se ver…e depois, a oficina,
a oficina, a oficina a trabalhar, os tornos mecânicos, os tornos mecânicos a trabalhar,
isto era coisa…era coisa…a fundição, a fundição, por exemplo, a carpintaria…; é que
aqui era o seguinte: aqui não se dava nada a fazer a lado nenhum, havia operários
especializados que resolviam as situações todas, todas, todas, todas…da empresa que havia aqui, todos problemas eram resolvidos aqui na mina, não era preciso mandar a
lado nenhum, nem a Lisboa nem a grandes empresas...aqui fazia-se tudo. Havia
fundição, havia tornos, e resolvia-se a situação toda e tudo trabalhava sob orientação
aqui da mina...tudo, tudo.
11. Gostaria de fazer parte de uma equipa de guias para acompanhamento de
visitantes na Mina de São Domingos?
(Sorrisos e acenar afirmativo de cabeça). Eu já sou assistente aí; 72 anos…já tenho
feito tantas, tantas, tantas…72 anos. Olhe, não tenho aqui o DVD, por acaso agora
emprestei-o para tirarem uma cópia. Em Sacavém emprestei o DVD, da reportagem
aqui da mina, já viu? A da SIC? (…) O outro senhor que estava consigo…o sr. João
Martins…tenho 98 anos, foi meu colega de trabalho. 98 anos. Ele não está aqui na mina?
O João Gonçalves Martins?! “Tá tá”, está aqui na mina. Tem 98 anos…fez há uma
semana 98 anos. Os electricistas só, haverá para aí mais 1 ou 2, que eu já não vivo cá,
agora a viver cá, ele é o único. Mas eu venho aqui muitas vezes. Mas o senhor João
Martins era mesmo mineiro? Não, electricista também, era electricista. Nós
trabalhávamos na oficina de electricistas desde os 13 anos, quando eu para lá fui, já
ele lá estava. Ele é muito mais velho, deve ter trabalhado aqui alguns 40 anos ou mais.
12. Defina a Mina de São Domingos em três adjectivos.
Mas o espaço, de que género? Óóó…há muitos…Por exemplo, a fábrica de enxofre, as
fábricas de enxofre, que ficam aqui a 3km, são 3km, eram…havia também aqui umas
fábricas de enxofre, as fábricas, os altos fornos, os altos fornos que queimavam os
pirites, os pirites de cobre, juntamente a sílica…a sílica e cal eram queimados nos altos
fornos, e depois era refinado o enxofre. Depois daquela matemática toda feita, os altos
fornos, os pirites da sílica…a sílica é uma pedra assim muito, muito luzidia que se
encontra, ainda aqui há pedreiras disso, ali no Guizo há pedreiras de sílica…e então, é
a sílica, era o carvão de coque, carvão também e era cal e os pirites, era o enxofre
virgem…saía dali o enxofre lindo, lindo…Para mim, era as fábricas de enxofre, os altos
fornos..e para mim, as oficinas, nunca me esquecem na vida. (Penso que o entrevistado
se referida ao adjectivo transformação, mutação dos espaços). Foi aí que eu… (Penso
que associa também a mina ao trabalho, ao acto de trabalhar nas oficinas). Eu tirei as
primeiras luzes, entrei para aí enquanto criança, de calções, não tinha ainda calças
compridas, veja lá, e foi uma grande escola, era uma grande escola. E aí é que aprendi,
depois quando fui lá para Lisboa, para a Schindler, não tive medo de trabalhar lá,
principalmente na parte eléctrica de elevadores; a gente aqui só tinha um elevador e
era totalmente diferente o elevador de um prédio, o elevador de uma fábrica, o
elevador de um aeroporto mas com a parte eléctrica não tive medo de trabalhar ao pé
de nenhum quando sai daqui, é verdade. E depois, era a vida das colectividades (Penso
que aqui caracteriza a mina pelo ambiente social, pelo companheirismo). A Catarina
não faz ideia tão pouco o que era, não faz ideia…eu contar, eu estar a explicar, não sou
capaz de explicar a fundo o que eram as 3 colectividades. As colectividades abriam aí
por volta das 4, 5 horas, quando fechavam aqui os trabalhos, fechavam…sempre cheias,
tinham bilhar, ping-pong, cantina, uma cantina, uns petiscos, convívio e depois
constantemente estavam-se a fazer bailes. Havia, existia uma linguagem própria, ou
seja, nós tínhamos os ingleses de um lado, tínhamos os portugueses mas existia entre
aqueles que viviam na mina, existia uma linguagem própria, um código de palavras para
passar mensagens? Não, não, não. Porque afinal, os capatazes e alguns que coordenavam também era portugueses e podiam ser maus para os operários, havia
algum código? Não, não. Porque isto Catarina, isto era tudo uma família, era tudo uns
amigos (Uma vez mais, a confirmação da entre-ajuda e vivência em comunidade). (…)
Porque é o seguinte: eu nasci além naquela casa, ao lado nasceram outras pessoas, e a
gente desde pequenino que nos conhecíamos e havia sinceridade, havia amizade. A
Catarina por exemplo, um exemplo: eu tinha dificuldade um dia qualquer, ou se
acabava o pão, ou se acabava o açúcar, ou se acabava o café. – Ó vizinha, empresteme
lá aí um bocadinho de café, ó vizinha, empreste-me aí uma metade de um pão, e era
assim. O nosso código era esse: sinceridade e a amizade. E os capatazes, os capatazes,
a maioria deles era tudo daqui, era tudo daqui. Havia uma certa diferença, uma
diferença…o inglês não se queria misturar com os operários, com a actividade. Esses
tinham, tinham um clube de convívio próprio deles ali no jardim, chamava-se a “Staff”,
a “Staff” era privativo deles, eles não se misturavam aqui com a gente, era muito raro,
lá um ou outro que gostava mais de conviver é que se juntava aqui com a gente mas o
resto não, eles faziam a vida deles lá a gente sabe, o inglês teve sempre aquele espírito
de superioridade, sempre. Era o que acontecia com a gente, eles vinham para aqui,
vieram para aqui com os olhos fechados, engenheiros e tudo, aqui é que abriam os
olhos, acompanhados dos encarregados. Os encarregados e os capatazes é que lhes
abriam os olhos, que tinham muito experiência, e aí é que eles aprendiam. Eles vinham
para aqui, muitos deles, não quer dizer que fossem todos mas a maioria deles vinham
para aqui e não percebiam nada de nada. E aqui, com os capatazes é que aprendiam. E
eles então, era muito raro misturarem-se aqui com a gente. E as mulheres, o que é que
as mulheres faziam? As mulheres olhe…a empresa devia ter umas 4 ou 5 empregadas
só como mulheres, o resto estava em casa a tratar dos filhos. Por exemplo, vamos dizer,
as que tinham a idade entre o acabar a escola com 10 anos e os 15 anos, o que faziam?
Ajudavam as mães em casa? Ajudavam, e a maioria delas iam para Lisboa, chamava-se
“ a servir”, iam para Lisboa, empregadas domésticas, iam para Lisboa. Porque aqui,
como não havia emprego, a rapariga atingia uma certa idade, e rapazes, atingiam uma
certa idade, e o que é que faziam aqui encostados aos pais, os pais já não ganhavam
para comer e elas tinham que ir preparar a vida para outro lado…empregadas
domésticas…muitas pessoas que conheciam através de conhecimentos, “- Ó vizinha, ó
vizinha, olhe, veja lá se a sua filha quer ir para casa de fulano, tem lá trabalho, uma
vizinha minha ou uma doutora, ou uma engenheira, arranjam lá trabalho”, e era isso.
Isso é que era!!
Mesmo após o final da entrevista “oficial”, o Sr. Barão, amavelmente continuou a
contar-me as suas histórias que aqui deixo como testemunho.
Isto foi um povo, lá vamos dar um picozinho na política, isto foi um povo muito
sacrificado, principalmente pela PIDE (Policia Internacional e da Defesa do Estado),
está a gravar?! Deixe estar, deixe estar…pela PIDE. E era o seguinte, havia muita
fome, muita miséria porque era raro o casal aqui…vivia aí num quarto com 16m2
,
tinham 5 e 6 filhos e aquilo era um problema infernal. O que é que acontecia? O
operário trabalhava, vinha do trabalho, tinha uma hortinha, ainda ia a trabalhar para
a horta, para colher umas couves, umas alfaces, algumas ervilhas, umas favas, fosse o
que fosse, e então, quando se falava aqui em fome, automaticamente, era comunista. O
indivíduo que dissesse que tinha fome aqui, era comunista. E aqui, havia aqui uma rede,
que eram legionários, da Legião Portuguesa, e essa Legião Portuguesa eram os
informadores, eram os informadores do regime….do regime fascista. Então, eu não
podia estar com esta conversa consigo, se eu estive aqui há anos atrás, antes do 25 de Abril, esta conversa consigo…eu já sabia que estava um indivíduo ali ao lado a ouvir a
conversa, e amanhã estava cá a PIDE e vinham-me buscar aqui para me levar. Então
isto foi um povo…eu saí daqui Catarina…eu assisti, eu assisti aqui na mina…assisti
aqui na mina quando aqui trabalhei, ali, principalmente nas oficinas, na oficina de
electricistas, levaram ali os meus colegas, 4…chegou a PIDE ali um dia, porquê?
Porque havia um indivíduo…isto é uma grande história, eu tinha aqui um programa
para falar consigo uma semana. Havia um indivíduo, um indivíduo que veio aqui avisar
que era electricista mas isso era tudo já combinado, era tudo já combinado com a
empresa, com a empresa mineira. É electricista, é electricista, é electricista, onde é que
havia de ir? Admitiram-no para a oficina de electricistas mas ele não percebia nada de
electricidade, ele era ali um “zero à esquerda”, e claro, as conversas Catarina, a
conversa dele era esta: “- Então, ouve lá, quanto é que tu ganhas?”. “- Ganho 35
escudos”. “ -E então, quantos filhos tens?”. “- Ah, tenho 5 filhos, tenho 6 filhos”. “- E
então, como é que tu vives pá?” E como é que tu vives com 35 escudos?”. Isto foi
verídico, verídico mesmo, “- Como é que tu vives com 5 e 6 filhos?”. “- Então e tu
consentes que os ingleses venham lá do fim do mundo e venham-te explorar?”. “- Eh
pá!”. “- Luta pá, não pode ser assim, eu faço-te companhia pá, eu faço-te companhia”.
Isto é verídico, Catarina! “- A gente dá a volta a isto, não pode ser assim, não pode ser
que os ingleses estejam aqui a roubar o pessoal da mina de São Domingos.”. Havia um
ou outro que se abria assim um bocadinho mais. Pois o indivíduo esteve aqui umas 2…
15 dias mais ou menos. Ao fim de 15 dias, desapareceu. Passado 4 ou 5 dias de se ter
ido embora, veio cá a PIDE e levou 4. Aqueles que se abriram mais com aquele
indivíduo, era um PIDE, era um PIDE disfarçado. Levaram 4…chegaram à oficina de
electricistas, anda cá tu, tu, tu e tu. Levaram-nos para o Posto da Guarda Republicana,
isto eram aí umas 3 horas, mais ou menos. Interrogatórios, interrogatórios,
interrogatórios, já não os deixaram vir a casa despedir-se da família, a mesma roupa
que tinham ali na mina, fato-macaco, foi a mesma roupa que os levaram. E depois…foi
foi, isto passou-se aqui na mina, eu digo aqui e digo em todo o lado. E depois, o que é
que acontecia? Acontecia que não havia carreira…havia uma carreira, já estou…havia
uma carreira que fazia o transporte todos os dia, ainda hoje há, da mina para Mértola,
e de Mértola para Beja. E a Guarda Republicana transportavam-nos na carreira até
Mértola e em Mértola depois é que iam num carro, num carro da GNR para Beja. Mas
o carro da GNR não vinha cá buscar os presos à mina, iam na carreira, nos transportes
colectivos. Mas depois, a carreira tinha uma paragem aqui em baixo, aqui em baixo,
quando se faz o desvio, o desvio ali prá Estalagem, para a esquerda, está ali a pensão,
o jardim, aí é que havia uma paragem e há, ainda está lá uma casota que é o abrigo da
paragem. E então, a Guarda Republicana de manhã, o carro saía daqui às 8horas da
manhã e então, em vez de apanhar a carreira aqui não apanhavam, iam lá para a
parede do lago e esperavam lá a carreira. Já estava combinado com o motorista, o
motorista já sabia que estavam lá, iam comunicar ao motorista: “- Olhe, quando
chegar à Tapada Grande, vocês parem que a gente está lá à vossa espera”. E os presos
entravam ali, para não entrarem ali na mina, para ninguém os ver.
Disse-me que nasceu naquela casa ali, é propriedade sua? É do meu irmão. É o seguinte:
a minha propriedade é do outro lado de lá, esta é do meu irmão. Porque eu…é que
depois comprámos; quando a mina abriu falência, vendeu. Vendeu espaços, olha,
comprei a 9mil escudos o m2
, porque era o seguinte, a deverem-me 24mil escudos ainda
tive que comprar, porque havia aqui 3 preços quando foram vendidas aqui as
habitações: havia o operário residente na mina, e eu na altura não tinha cá a minha
residência, já tinha residência em Sacavém. O operário residente pagava 7mil escudos
o m2, o operário, filho de mineiro residente, 8mil escudos…

Transcrição da entrevista oral para escrita (10.12.11) no âmbito da dissertação apresentada à Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril para a obtenção do grau de Mestre em Turismo, Especialização em Gestão Estratégica de Destinos Turísticos por Ana Catarina Gomes Ferreira – A Mina de São Domingos – Passado Industrial, Futuro Turístico
Disponivel aqui:https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/4444/1/2012.04.009_.pdf