Firmina da Encarnação

Nome do Pai: 

Manuel Branco

Nome da Mãe: 

Maria Joaquina

Data de Nascimento: 
1881-03-25
Data de Baptismo: 
1881-05-26
Local do Registo: 
Corte do Pinto
Distrito / Pais (se for estrangeiro): 
Beja
Concelho: 
Mértola
Freguesia: 
Corte do Pinto
Local de Nascimento: 
Corte do Pinto
Estado Civil: 
Casada
Nome do Cônjuge: 
Data do Casamento: 
1903-12-13
Local do Casamento: 
Corte do Pinto
Data de Falecimento: 
1968-04-09
Local de Falecimento: 
Corte do Pinto
Informação Pessoal: 

Biografia

Observações: 
"Primeira filha legitima do primeiro matrimónio do pai e segundo da mãe de Manuel Branco, trabalhador e de Maria Joaquina, ambos naturais desta freguesia..."
Assento de Nascimento: 
Assento de Casamento: 
Assento de Casamento (2ªs núpcias): 
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Notas adicionais: 

A Minha Escola e a Bisavó Firmina
O frio do Inverno na Corte do Pinto, era velhaco e lá em cima na ladeira parecia ser ainda mais velhaco ...
De manhã cedo, lá íamos nós os mocinhos da 2ª classe a caminho da escola: ... eu, mais o Dionísio Claudino, o Joel , o Emiliano Balhanito, os meus primos Zé Manuel e o Chico Geraldo, o Manulito Teixeira, ... que depois juntavamo-nos aos matulões da 4ª classe, ... alguns já com 13 e 14 anos, ... o Amadeu, o Zé Paulino, o Chico Valadas, o Henrique da tia Laura, o Bráz, ...
... e no meio deste frio, .. a minha gorrinha de orelhas dava muito jeito, e ... arrepiava-me só de ver o Valadas e o Joel de pés descalços ... e não eram os únicos, ... na sala de aulas haviam muitos mais ... até dos montes vinham coleguinhas descalços, ...
... Mas os pés descalços do Blé Grilo distinguiam-se dos outros ...
... A professora Joaquina bem lhe chamava a atenção:
— ...Tens de lavar os pés ...
— ... Mas eu lavo todas as noites antes de ir para a cama, ... as minhas tias obrigam-me ...
— ... Mas, ... antes de os lavares, ... tens de os pôr de molho ... pelo menos meia hora, ... e só depois os lavas ... e vais ver que ao fim de uma semana, ... os teus pés vão parecer outros ...
De facto, ... se fosse hoje e para quem não conhecesse, ... diria que os pés do Blé seriam o verdadeiro pata negra alentejano ...
... Ir para a escola, ... era um castigo para a rapaziada, ...
A nossa escola, era igual à escola da Mina e a todas as outras escolas ...
... sala de aulas gelada, ... escura e sem luz, carteiras de dois lugares às vezes com três moços, paredes vazias, ... excepto a da frente que tinha o quadro negro e ao lado alinhadas as molduras com as fotografias do Salazar e Carmona e no meio a cruz de Cristo ...
... e ainda o mau feitio da professora Joaquina, ... solteirona, exageradamente religiosa e que parecia ser diferente das outras mulheres, ... 4 ou 5 dias calma e minimamente bem disposta e o resto do mês, ... irritadiça, nervosa, implicativa ...
... e quando o mau feitio da professora Joaquina se juntava a dureza e a frieza da Dona Etelvina ... da verruga caída, ... ...
... então é que não dava mesmo para se gostar da escola ...
A Dona Etelvina da verruga caída, ... era a palmatória ... !
... Foi assim que o Arnaldo, o filho do Caxatra peixeiro a baptizou ...
... Etelvina, por ser nome fino, ...
...da verruga caída, ... por ter perdido um nó da madeira, ... ficando um buraco quase na ponta ...
Pessoalmente nunca tive muitas razões de queixa da Dona Etelvina da verruga caída, ... por não saber a matéria da escola, ...!
... mas, ... levei muitas, ... às segundas feiras ...
... Porque aos domingos sempre teimei em trocar por réguadas, o gosto de acompanhar o meu pai na liberdade dos campos, ... à obrigatoriedade de assistir e ouvir na igreja uma missa em latim ...
.. Até ao final da 3ª classe, tinha muita raiva do castigo da meia dúzia de réguadas em cada mão, por não ir à missa, ... mas a professora Joaquina nunca conseguiu fazer de mim um católico nem mais, ... nem menos crente, ... nem com raiva das leis Divinas ...
Ainda hoje, considero que a religião tal como tudo na vida, ... é como o sal na comida, ... nem demasiado pouco, ... nem em demasiada quantidade, ... e devemos sempre rejeitar o que ao nosso "paladar" não sabe bem ...
... À tardinha, ... quando acabavam as aulas, ... era ver a rapaziada aos saltos e sorrisos de contentamento, ... livres das preocupações de ouvir os nomes das serras, ... dos rios e das linhas férreas do Portugal Insular e Ultramarino ...
... Embora ainda houvesse para fazer quantidade enorme de trabalhos de casa que a professora Joaquina ditava ...
... e eu sabia que ou jogava à bola antes de ir para casa, ... ou já não saía de casa antes de fazer os trabalhos da escola ... por causa da "chata" da bisavó Firmina ...
A bisavó Firmina era a avó do meu pai ...
Vivia em casa da filha, ... a minha avó Maria Joaquina, ... mas por gostar tanto do neto ( meu pai), passava as tardes em minha casa à lareira ...
A bisavó Firmina era quase 90 anos mais velha que eu, ... e era mesmo muito chata comigo ...
Era uma mulher baixa , o meu pai, sem ela ouvir, chamava-lhe "a avó pequenina"...
... era magra, sempre de lenço na cabeça, camiseiro dentro de uma saia quase até aos pés que ela própria costurava, um xaile de franjas de lã azul escuro pelos ombros e umas botas de atacadores com várias "tombas" remendadas até à biqueira ...
A bisavó Firmina era mulher de poucas falas, ... semblante quase sempre "azedo", ... só a minha mãe a fazia rir e ... não era sempre .. mas sempre de língua afiada para criticar atitudes ou pessoas ...
Nunca usou óculos e via perfeitamente no único vício que lhe conheci, ... a leitura...
Na Corte do Pinto, o que havia para ler, ... ela já tinha lido tudo ... era só sonhar que alguém na aldeia tinha um livro, ... ia logo pedir para ler ...
... quando a minha mãe chegava da loja do Seno com o avio da semana, ... se o bacalhau ou outra coisa qualquer vinha embrulhada em pedaço de folha de jornal, ... ela guardava para ler as notícias antigas e incompletas ...
Nessa altura quase ninguém gastava dinheiro em livros, ... e o meu pai resolveu comprar um romance escrito por um autor italiano " Lágrimas de Mãe", com 36 volumes em 36 meses, chegando um volume por mês, ...
... este romance foi lido pela bisavó Firmina 4 vezes ...
... e tantas foram as vezes que o romance foi emprestado às gentes da aldeia, que o volume nº 33 desapareceu ...
... mas a bisavó Firmina desgostosa do volume em falta do romance do neto, ... prontificou-se perante o meu pai:
— ... Compras-me um caderno e tinta, ... que eu volto a pegar na minha caneta de aparo e em traços gerais escrevo o que estava escrito no volume desaparecido ...
...
Quando eu chegava da escola lá estava sentada à lareira a bisavó Firmina, ... parecendo esperar por mim para me pedir o meu livro de leitura ou o livro de história, ... livros que vezes sem conta ela já tinha lido ... e sempre com a lenga lenga chata da importância de eu ter de gostar de aprender na escola ...
A bisavó Firmina, deveria ter nascido por volta do ano 1870 e seria certamente das poucas mulheres da aldeia e arredores a saber ler e escrever ...
Contou-me o meu pai, que ela à época, fez uso desses estranhos conhecimentos para uma mulher, ... para governar a vida, ... lendo e escrevendo cartas e outros documentos na aldeia, e ausentando-se pelos montes e até mesmo para Espanha, ... trazendo no regresso na alcofa, ... pão, azeite, fruta, queijo, mel ... e às vezes algum dinheiro, ...
... contrariando a vontade do marido, que todos os filhos incluindo a única filha rapariga, "a avó Maria Joaquina" que em vez do trabalho, ... primeiro tinham de fazer a escola ...
A bisavó Firmina deveria ter morrido entre os anos de 1963-1964, ... e apesar de na altura te achar chata e azeda, ... hoje daria tudo para te ter conhecido melhor, ... e tanto que teria a aprender contigo ...
... Avó Pequenina ...
... Que estejas em paz ...
(José António Estêvão)